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Concrete Genie: exclusivo do PS4 aborda grafite, pixação e bullying

O inocente jogo de um menino que faz arte pode levantar discussões importantes

O PlayStation 4 é a casa de jogos com grandes histórias e, de vez em quando, também é a plataforma que revela indies bem bonitinhos ao estilo de Journey. Na Paris Game Week de 2017 tivemos um desses casos: a Sony apresentou Concrete Genie exclusivamente no console.

Protagonizado pelo menino Ash e os monstros que ele pinta nas paredes, o jogo aborda a relação de arte urbana e bullying. Com lápis e papel nas mãos,  o garoto cria desenhos e criaturas superpoderosas, os chamados Genies, e, após encontrar um pincel mágico, consegue literalmente dar vida a sua imaginação.

Concrete Genie - Paris Games Week Announce Trailer | PS4

Com essa combinação, Concrete Genie é capaz levantar muitos debates sobre a realidade, apesar dos gráficos cartunescos e ar lúdico.

Como o trailer de apresentação do jogo destaca, o objetivo do jogador é sobreviver aos valentões e usar o talento do protagonista para reviver uma cidade poluída utilizando apenas uma arma: arte de rua.

Pixação e grafite

grafite-concrete-genie

Apesar de o jogo trazer uma relação bonita e ideal entre arte de rua e um centro urbano, as coisas no Brasil costumam ser problemáticas nesse campo, principalmente quando falamos de São Paulo, considerada uma das cidades mais grafitadas do mundo.

O principal ponto de tensão é a pixação, prática que é considerada crime, ainda que tenha seu valor de manifestação artística. De acordo com Nichollas Munhoz, historiador e grafiteiro, a diferença mais perceptível entre o grafite e o pixo atualmente é visual.

As diferenças entre a pixação e grafite podem
ser vistas visualmente e historicamente

“Existe uma questão estética, a imagem do grafite e da pixação são diferentes”, explica Munhoz, que já grafita há 8 anos em Floripa. “A pixação tem uma série de vertentes, mas o grafite é mais fácil de observar e tem uma estética mais aceita pela indústria”.

Além da parte visual, a pixação e o grafite tem histórias diferentes: O grafite é proveniente do hip-hop e apareceu como uma forma de arte da periferia em Nova York, como é mostrado na série The Get Down.

A pixação também veio como uma forma de dar voz ao povo e ganhou força na época da ditadura brasileira, com poucas cores e muito protesto. A agressividade dos traços e a monocromia da tinta tornaram esta forma de intervenção única e nativa do Brasil.

Enquanto o grafite já é incentivado e visto como arte atualmente, a pixação continua firme como símbolo de protesto, revolta e voz da periferia, e ganha ainda mais força por ser considerada ilegal.

“Associada diretamente ao crime e ao vandalismo, o pixo é visto com maus olhos por aqueles que não vivem a realidade periférica. O pixo, mais que uma expressão, tece uma rede de sociabilidade, apropriação dos espaços urbanos e reconhecimento que eles estabelecem de suas próprias identidades”, conta esta crônica sobre o assunto.

Uma parte interessante de Concrete Genie é que, em sua essência, o game pode ser considerado uma mistura do conceito de grafite, pela parte visual, e também da pixação, que envolve rebeldia e intervenção sem uma devida autorização.

Segundo descreve o desenvolvedor Brent Gocke em um vídeo, os principais antagonistas do jogo são crianças que impedem o protagonista de criar sua arte de rua. Some esta premissa ao fato de que o garoto quer pintar uma cidade cinza poluída e voilá, temos uma crítica indireta a situação da pixação no Brasil.

Eu entrei em contato com o diretor do game para saber se a equipe realmente pretendia fazer alguma alusão a isso, mas não obtive resposta. Ainda assim, mesmo que o time da PixelOpus quisesse abordar de forma indireta a temática, os grafiteiros que conversaram comigo acreditam que isso não seria bem sucedido.

Ao ver as imagens do game, o psicólogo Gabriel Bueno, que fez um estudo relacionando política e grafite em 2013, disse que o jogo evita traços da pixação, mantém a estética mais popular do grafite e fica dentro do padrão de outras obras que abordam a arte urbana.

“Eu não acredito que o jogo vai trazer um impacto na representação da arte urbana. Na verdade, ele já é um produto da nova representação e pega carona num lugar que já foi conquistado por outros”, explica Bueno. “É um jogo completamente inserido e correspondente ao status quo”.

Munhoz aponta outro ponto interessante na discussão relacionada ao game sobre arte de rua: a representatividade. O historiador ressalta que o grafite e a pixação são artes ligadas a periferia, onde os videogames não possuem tanta força.

Graças às barreiras econômicas e sociais, Concrete Genie
pode ficar longe do público que poderia ser representado no game

“Muitas pessoas que lidam com isso são oriundas de locais menos favorecidos, o que acaba fazendo elas não terem uma relação tão forte com os jogos”, explica o professor de História. “Os grafiteiros e pixadores também gostam de ir pra rua e não ficam muito em casa, o que quebra um pouco dessa relação com o game”.

Quando pensamos na questão de desigualdade social e games, o PS4 também não ganha notoriedade pelos valores de seus jogos, afinal, a plataforma é conhecida por inflar os preços dos games em comparação aos concorrentes.

A arte como combate ao Bullying em Concrete Genie

Ainda que o jogo não seja revolucionário na parte de representação da arte urbana, o que é bem plausível para um produto comercial do tipo, Concrete Genie pode fazer a diferença com um grande problema social do nosso tempo: o bullying.

Além de ter nascido de um grafite que representa essa prática, a  equipe de desenvolvedores deu bastante atenção para o assunto durante a divulgação do game, que utilizará a arte de rua como pano de fundo para o combate ao Bullying.

Ash, o protagonista, utiliza a arte como válvula de escape para os problemas da vida e uma forma de superar as provocações sofridas pelos valentões de sua cidade. Tanto no game quanto na vida real, a arte é uma ótima forma de socializar e conhecer novas pessoas.

Segundo o psicólogo Gabriel Bueno, a arte de rua pode ser considerada uma prática similar ao que temos em outros esportes e práticas sociais, tanto nos pontos positivos quanto negativos.

“No grafite você faz amigos, vive
a cidade, se experimenta como sujeito”

Gabriel Bueno, psicólogo

“No grafite você faz amigos, vive a cidade, se experimenta como sujeito”, conta Bueno, “mas também é um lugar atravessado por valores não-românticos, como disputa, briga, inimizade. Como qualquer outro local da sociedade, também aparecem valores como egoísmo e narcisismo”.

De acordo com Munhoz, que ainda atua com arte de rua, o grafite e a pixação contam com grupos ao redor do mundo, o que facilita a criação de vínculos e gera uma “rede de contatos”. Como mostra o documentário Pixo, as práticas artísticas também servem como lazer para jovens da periferia.

PIXO

“Os grafiteiros estão no mundo todo” conta Munhoz. “A pixação tem uma união mais forte por causa das festas muito grandes e de anos feitas pelas grifes, que são grupos com alcance mundial”.

Por fim, ele dá a dica: se você curtir a ideia do game, pegue papel e caneta, faça sua arte e vá para rua. “Grafite você aprende na rua! Saia de casa, tente decifrar os grafites e conhecer quem está por trás deles” aconselha o Munhoz.grafite-ufsc

“Como você aprende grafite? Estando com os grafiteiros, acompanhando o rolê e observando. Não existe escola para grafite, é assim que passamos o conhecimento para o próximo. A escola é a rua”.

Concrete Genie é exclusivo do PS4 e estará disponível para jogar em 9 de outubro de 2019. Se você já está interessado no jogo, a dica é ficar de olho nas artes de rua que te cercam, tentar buscar seus significados e entender o que tá rolando.

Assim como textos, vídeos e música, a arte de rua é expressão.  Desde um pequeno conjunto de riscos até um grafite enorme tomando uma parede, tudo foi produzido por pessoas com uma mensagem pra passar na tela mais controversa de todas: a cidade.


PS: Este texto foi publicado originalmente em 28 de agosto de 2018, mas recebeu um upgrade com novidades sobre o game.

Por Mateus Mognon

Jornalista formado na UFSC e criador do Jornal dos Jogos, veículo que reúne as principais notícias de games com curadoria e aquele "jeito moleque" de escrever.