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Life is Strange 2: sem tempo, irmão [Análise]

A história dos irmãos Diaz vai além da “crítica social f*da”

O domingão aqui em casa é quase sempre igual: enquanto minha mãe prepara o arroz e demais acompanhamentos, meu pai e eu vamos, no nosso Golzinho quadrado branco, até o açougue do bairro em que ele nasceu, não muito longe, para pegarmos um churrasco pronto. O caçula da família, com seus 19 anos e sem muito interesse no que acontece ao redor, permanece deitado na cama usando o smartphone, longe dos ritos dominicais.

Como irmão mais velho que morou cinco anos fora para estudar, fico com o coração melancólico ao ver que a relação com meu antigo parceiro de aventuras começou a virar poeira com o passar do tempo. As conversas sobre a vida se tornaram escassas. Os convites para jogar video game raramente são aceitos. De vez em quando nem recebo um bom dia. Talvez esse seja um processo normal na vida moderna. Quem sabe minha ausência contínua por quase meia década tenha sido mais pesada do que eu previa. Acho que nunca vou saber a resposta, pra falar a verdade. Mas tá tudo bem, no final das contas.

Mesmo com esse peso, fico feliz que meu brother atravessou a adolescência e hoje vive seus caminhos de forma independente. Enquanto aproveita a piscina de um clube com os amigos do trabalho no fim de semana, eu estou aqui pensando no final de Life is Strange 2 e na relação de Sean e Daniel Diaz, que, mantendo as devidas proporções, lembra minhas vivências dentro de casa.

Desconstruindo o muro

Com cinco episódios, Life is Strange 2 finalmente está integralmente disponível e os jogadores podem aproveitar, de uma vez só, a nova aventura com escolhas da Dontnod. Depois do sucesso da história de Chloe e Max, a produtora francesa resolveu colocar o dedo na ferida e lançou um jogo com selo “crítica social foda”. Em LiS 2, a narrativa acompanha os irmãos Sean e Daniel, filhos de um imigrante mexicano, após um terrível incidente: o pai dos dois garotos é morto por um policial e o caçula acaba tirando a vida do oficial sem querer, com seus recém-descobertos poderes telecinéticos.

As cinco partes da história mostram o adolescente de 16 anos e seu irmão, de apenas 8, saindo de Seattle e viajando até o famoso muro que separa México dos Estados Unidos. Durante a jornada, a desenvolvedora não economizou esforços para colocar os jogadores na pele de quem sofre xenofobia nos EUA. E fez isso muito bem desde os primeiros momentos do game. Mas, além disso, precisamos destacar que o jogo também trata de outro assunto importante: responsabilidade.

Criando Daniel

Enquanto no primeiro Life is Strange lidávamos com Max e seu poder de voltar no tempo, a parada é bem mais punk no novo game. Agora, os jogadores incorporam Sean e desempenham o papel de tutor para o menino Daniel, que consegue levantar, arremessar e explodir coisas com a mente. Com isso, as suas escolhas não são as únicas que importam: o caçula também tem vez e voz, além de poderes altamente destrutivos.

Dentre todos os aspectos interessantes presentes no jogo narrativo da Dontnod, o que mais fisgou a minha atenção foi a evolução na relação dos irmãos. O estúdio criou um sistema de moralidade próprio para o garoto mais novo, o que faz as decisões vindas desde o primeiro capítulo importarem no final. Enquanto o desfecho do primeiro Life is Strange era “8 ou 80” com seus dois fechamentos, o novo título permite encerrar a jornada dos dois irmãos de até sete formas diferentes.

A vida é injusta

Mesmo que você seja tão responsável quanto o doutor Xavier no comando dos X-Men, a injustiça acaba prevalecendo em Life is Strange 2 de qualquer forma. Afinal, estamos falando de descendentes de imigrantes nos Estados Unidos, envolvidos em diversos cenários de crimes.

Graças a isso, o último episódio do game acaba se tornando não apenas o fim de uma perseguição policial intensa e que dura meses, mas também o desfecho da criação de Daniel e o resultado dos esforços de Sean em ser um exemplo para a criança. Entregar-se para a polícia? Usar os poderes para fugir? No meio de tanta treta e injustiça, o que é certo ou errado?

Ser responsável ou meter o louco com os poderes? A decisão não é apenas sua

Para quem já teve que ser responsável por alguém mais novo durante a vida, com certeza o desfecho é uma parte bem pesada. Independente do final que o jogador alcance, é difícil acabar não criando uma correlação com o cotidiano, mesmo com tantas confusões e poderes envolvidos na história. Deixando tudo isso de lado, Life is Strange 2 acaba sendo a caminhada de um irmão mais velho que quer ensinar o melhor para o caçula, seja seguindo um caminho moral da sociedade ou criando suas próprias regras, moldadas pelas dificuldades enfrentadas durante os caminhos da vida.

E a melhor parte? Apesar da influência do jogador, a decisão crucial fica por conta de Daniel. Afinal, a vida é assim: suas escolhas sempre afetam a trajetória, mas viver em família não é uma parada “single-player”. O lançamento fragmentado e o grande foco em questões sociais acabaram fazendo eu esquecer o que me conquistou em Life is Strange 2 em primeiro lugar: a história de dois irmãos tentando sobreviver, juntos.

Suas escolhas sempre afetam a trajetória, mas
viver em família não é uma parada “single-player”

Enquanto o primeiro jogo da franquia me impactou por fazer uma escolha pesada no final da história de Max e Chloe, Life is Strange 2 me fez sentir todo o peso da lenta e dolorosa caminhada dos irmãos Diaz. E não importa qual dos finais você acabe pegando após sua jornada rumo ao México, vai ser difícil não ficar com um peso no coração.

Life is Strange 2 pode ser jogado no PC, PS4 e Xbox One.

Por Mateus Mognon

Jornalista formado na UFSC e criador do Jornal dos Jogos, veículo que reúne as principais notícias de games com curadoria e aquele "jeito moleque" de escrever.