É 2020, a imensa maioria de voos internacionais foram cancelados devido à pandemia; passagens foram reagendadas, o turismo mundial enfrenta uma crise sem precedentes por causa do isolamento social e políticas públicas. Do outro lado, os turistas de plantão enfrentam uma única saudade: viajar.
Microsoft Flight Simulator 2020 cumpre um bom papel ao levar pessoas para vários destinos do mundo, com representações reais e em proporção 1:1, praticamente recriando uma Terra digital. Ainda assim, nos tripulantes regulares de voos internacionais, não é a experiência de pilotar que criou a saudade em seus corações, mas a de vivenciar a viagem — e, muitas vezes, ter a experiência de trafegar até o destino, algo que comumente é feito em aviões.
Aí entra o Airplane Mode, o “simulador de voo” onde você não figura como o piloto, mas como passageiro da classe econômica. O game garante uma “experiência imersiva” de longas viagens, onde tudo acontece em tempo real: desde o momento que o avião manobra entre pistas, até o pouso — e isso tudo com bastante fidelidade.
Gameplay interessante (é sério)
A começar pela minha surpresa, Airplane Mode é inesperadamente “divertido” (aspas para ressaltar a peculiaridade do sentimento). À primeira vista, o game não me surpreendeu: a ausência de tutoriais, controles simplificados ao clique e o ponteiro do mouse me deixaram ressabiado. “É só mais um simulador genérico”, pensei.
Daí, as coisas começaram a me deixar desconfiado. Tive poucas experiências com voos, tampouco viajei para fora do nosso grande Brasil, mas Airplane Mode replicava a rotina de voo com precisão logo de início. Já sentado na cadeira, a aeromoça solicitou que eu apertasse os cintos e uma comissária de bordo abriu o microfone para os avisos iniciais de voo — calmamente, e com todas as conhecidas frases de segurança, avisos e orientações.
Os avisos iniciais envolvem até vídeos reproduzidos no centro de mídia de cada assento, seguidos de um comunicado breve do piloto, que conta a previsão de chegada e finaliza desejando boa viagem para todos. Então, finalmente estalou que Airplane Mode é, sem dúvidas, uma representação precisa de uma viagem.
Modos de jogo
Assim que aberto, o game dispensa maiores apresentações e te lança diretamente para o menu principal. Sóbria, a tela apresenta dois modos de jogo: de Halifax, Canadá (YHZ) até Nova Iorque, Estados Unidos (JFK), uma viagem com duração de 2 horas e 35 minutos; e de Nova Iorque, Estados Unidos (JFK), até Reykjavik, na Islândia (KEF), uma viagem com duração precisa de 5 horas e 45 minutos.
E não se engane: a duração das viagens é, precisamente, a duração da sessão de jogo, simulado nos mínimos detalhes. Felizmente o título oferece alguns métodos de “fast travel”, que falarei mais a frente nas atividades disponíveis como passageiro.
Na mesma tela, o jogo dispõe as configurações de vídeo. Basicamente, elas se resumem a “low”, “medium” e “high”, sem fornecer detalhes sobre cada uma das opções. Ao lado, a resolução desejada para renderização, e só.
Selecionado o voo, tudo começa.
Eu sou um passageiro, eu rodo sem parar
Leva um tempo para desvendar que os controles se resumem ao mouse. Aprender como ele funciona é uma tarefa fácil, mas não significa que sejam responsivos. Eles apresentam inconsistências em várias ocasiões e você vai errar o comando repetidas vezes.
É um simulador construído sem capricho, atendendo
o mínimo possível para ser chamado de jogo.
Graficamente, Airplane Mode não impressiona. O visual é datado, as texturas são pouco definidas e sem brilho, nada é rico em detalhes, mas o que é apresentado já é o suficiente para criar a atmosfera de jogo. A frente do jogador, um monitor com controle remoto; ao lado, passageiros da mesma viagem que se movem em coreografias repetidas e sem muita expressividade. O mesmo acontece com as aeromoças.
A aeronave se prepara para decolar e começa voo, evento deveras turbulento e que te atrapalha ao clicar nos itens. Abaixo do banco está a bolsa de mão do passageiro, contendo os itens mais interessantes da viagem: um livro (totalmente em inglês), um caderno de folhas quadriculadas, uma caneta, remédios para dormir e um cabo USB para recarregar o celular. O smartphone fica junto da revista, saquinho para vômito e guia para emergências.
Nesses itens estão os maiores passatempos para o passageiro. A revista é recheada de conteúdo (que aparentemente não varia), com Sudoku e palavras-cruzadas — tudo em inglês. É possível jogar e rabiscar a revista com a caneta, que oferece precisão sem igual com o mouse; da mesma forma, dá para desenhar no caderno e detonar o livro.
As atividades são as mesmas para os diferentes voos,
e na primeira viagem já te largam na mesmice.
A mala também inclui fones de ouvido Bluetooth que podem ser pareados ao celular ou ao monitor para consumir filmes, uma seleção de músicas ou podcasts. Do celular, é possível acessar o programa de milhas, pegar informações sobre a viagem, acessar as configurações do jogo e tirar fotos, ferramentas indispensáveis para o turista.
Eventualmente, uma aeromoça começará a servir as refeições, e cabe ao passageiro selecioná-las no menu do centro de mídia através do controle ou clicando diretamente nas opções. Elas variam para cada tipo de voo e podem ser simples refrigerantes, ou refeições completas, que você pode “comer” clicando neles e entregando o lixo para a comissão, bem como faria numa viagem real.
O display oferece um catálogo de 3 filmes em preto e branco e uma animação protagonizada por Perna Longa, dos Looney Toones. Nesse mesmo menu, há também os jogos: o clássico Paciência e Blackjack, todos jogáveis a partir do clique na tela. Não é algo lá muito atrativo, mas é o suficiente para proporcionar a experiência de viajar, mesmo que de forma limitada. É parear os fones com o display, reclinar (levemente) os bancos e aproveitar.
Se tudo isso já tiver te levado ao tédio, mas ainda assim você quiser finalizar a viagem, é possível tomar os remédios para dormir — seja uma só pílula ou toda a cartela. Minutos depois, o personagem cai no sono, simulado por uma tela preta, acordando horas depois, variando esse tempo de acordo com a quantidade de unidades ingeridas.
Performance no PC e inconvenientes
O setup onde o game foi testado é composto por um Ryzen 5 3600, combinado com 16 GB de RAM e uma Nvidia RTX 2060 Super (uma baita máquina, convenhamos). O game rodou bem e alcançou altíssima taxa de quadros, diferente do que rola em Flight Simulator. Porém, o PC precisou habilitar todas as fans para garantir o resfriamento da máquina, o que dá um toque de realismo e simula o barulho das turbinas de um avião. Em comparação, o cenário estava bem parecido com a gameplay de games AAA, mas não necessariamente entregando a mesma experiência visual.
Vale mencionar algumas outras decisões duvidosas e problemas constantes: o celular não funciona bem, chegando a travar se você exagerar demais nas tarefas e sendo bem problemático na maior parte do tempo. Além disso, o saco de vômito se recusa a voltar para o compartimento inicial se você não insistir bastante. E a pior de todas: ninguém, absolutamente ninguém, joga Sudoku ou palavras-cruzadas com caneta, devido à possibilidade de errar e não conseguir apagar.
Imagino que basta mais algumas horas de gameplay para encontrar mais problemas nas viagens. Em uma ligeira pesquisa no Google, encontrei relatos de jogadores que tiveram PCs congelados, sistemas com performance sendo extraída ao máximo e outros graves problemas para um jogo desse porte. Não fui acometido por nenhum deles, mas acho que sou uma exceção.
Aleatoriedades e “fator replay”
Airplane Mode aposta firme no fator replay e na simulação real de situações de viagens. O jogo não possui qualquer tipo de controle ou seleção de eventos e, por causa disso, não deu para conferir todas as possibilidades do simulador. Nas viagens que fiz, pude vivenciar pequenas turbulências, mas o voo terminou bem e sem maiores surpresas.
Nesse quesito, Airplane Mode pode surpreender. Particularmente, não cheguei a pesquisar se o jogo pode cessar devido a um acidente, se as turbulências podem ser mais assustadoras ou se o personagem do jogador pode, de fato, passar mal. Para conferir todas essas possibilidades, é necessário destrinchar o game repetidas vezes e aproveitá-lo na integra, algo muito difícil de fazer quando o jogo é tão desinteressante que você prefere viver o cotidiano real.
Um simulador para quem?
Airplane Mode é um título vazio aos olhos do gamer padrão e me surpreenderia se figurasse como um título famoso nas plataformas de streaming, mas o título chega para atender pessoas carentes por viagem, uma categoria crescente em tempos de pandemia. Mesmo que não leve ninguém a novos países e localidades, pode ser uma forma interessante de reviver “o prazer de viajar”.
E falo isso sério. Segundo o site Engadget, a empresa First Airlines — empresa que oferece simulação de viagens em realidade virtual — viu seus ingressos de experiências virtuais crescendo em 50% desde o começo da pandemia. Então há, sim, público para esse tipo de jogo, mas é algo extremamente nichado.
No fim, cabe a você decidir se vale pagar R$ 25,89 (na Steam) para ter a experiência de viajar na classe econômica, com direito a passageiros escandalosos, bebês chorões, atendimento de qualidade questionável e pouca coisa para fazer enquanto espera.
Confesso que achei o game curioso e, em poucas horas, conferi todo o conteúdo possível (sem destrinchar livros e revistas com detalhes). Em meu setup, confesso que até considerei o game imersivo e uma forma que pode suprir a ausência de viagens, pelo menos em parte, ainda que não seja feito para todo mundo.
Conclusão
Airplane Mode é um “Simulador de voo” onde você assume o papel de passageiro da classe econômica, com poucas atividades para se distrair e remédios para te ajudar a encurtar a viagem. É uma criação do estúdio AMC Games que pode satisfazer os turistas de plantão que tiveram seus itinerários cancelados pela pandemia, mas nada além disso. Se este não for seu caso, o tédio te alcançará rapidamente e o jogo se tornará apenas uma piada que custa cerca de R$ 25.