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A história da Telltale Games – do sucesso ao fim

A ascensão e queda do estúdio focado em jogos narrativos

Este texto foi publicado originalmente aqui ó, em novembro de 2018,e faz parte de uma série chamada REMASTER, onde eu reciclo meus textos antigos preferidos, dou uma repaginada e trago eles de volta com todo glamour de algo que merece ser revisitado. Se as empresas de games fazem isso, eu também posso, ué.

Escolha seu caminho

A Telltale Games está fechando suas portas, mas o legado da empresa no mundo dos games não pode ser esquecido. A companhia é conhecida pelos títulos seguindo formato de série, como o The Walking Dead de 2012, que virou referência em jogos narrativos e levantou o gênero adventure. 

Apesar de não ter inovado muito em sua fórmula nos últimos anos, a companhia lançou diversos games com foco na narrativa e escolha. Neste texto eu apresento um pouco da história deste icônico estúdio que vai deixar saudade para quem curtia jogos de escolha, além de alguns dos motivos que levaram a queda da empresa.

Tudo começou no… Poker

Dan Connors, left, Kevin Bruner, center, and Troy Molander

Da esquerda para a direita: Dan Connors, Kevin Bruner e Troy Molander[/caption]

A Telltale Games foi criada em 2004 por três ex-funcionários da LucasArts: Kevin Bruner, Dan Connors e Troy Molander. Com bastante experiência em jogos adventure e point-and-click, o trio resolveu criar uma empresa própria após o cancelamento do projeto Sam & Max: Freelance Police e o fim da era de ouro da da divisão de games da LucasFilms.

Apesar da paixão por narrativa, o primeiro projeto lançado por eles foi, acredite, Telltale Texas Hold’em,um jogo de Poker.Lançado em 2005 no PC, o jogo é o único da companhia a trazer personagens originais, que não foram licenciados de outras franquias, e coloca o jogador para enfrentar uma galerinha no famoso jogo de cartas.

O projeto não tinha como objetivo mostrar todo o potencial criativo da equipe, mas sim demonstrar o poder da Telltale Tool, a engine própria da empresa criada na linguagem de programação brasileira Lua (sim, os jogos da Telltale tem um pouco de Brasil).

Licenciando conteúdos

Antes mesmo de  apresentar seu motor gráfico ao mundo, o time da Telltale Games já estava trabalhando com seu mais conhecido modelo de negócios: pegar personagens licenciados e fazer jogos com eles. Em sua rodada de financiamento inicial, a equipe já conseguiu apoio de produtoras e estúdios como a Ubisoft para trabalhar em games point-and-click ao estilo LucasArts.

A primeira leva incluía jogos baseados nos quadrinhos Bone, de Jeff Smith, e games de CSI feitos em parceria com a Ubisoft, que publicava os games baseados na famosa série de televisão.

Screenshot de um dos jogos de CSI feito pela Telltale Games junto com a Ubisoft

Em 2007, a companhia até conseguiu dar vida a jogos de Sam & Max, os personagens de quadrinhos que foram abandonados pela LucasFilm, graças a um acordo com o criador deles, o quadrinista Steve Purcell.

Entre novos jogos de poker, CSI e adaptações de quadrinhos, o jogo Sam & Max: Save The World foi o primeiro grande projeto episódico da empresa, que abriu portas para novas possibilidades de narrativas para empresa e levou ao nascimento da era de ouro da empresa: os jogos de escolha.

A Telltale começou a investir em novas formas de narrativa em 2010

A Telltale que muitos gamers conhecem e amam começou a se moldar lá por 2010 com a criação de um programa para testar novas formas de contar histórias em games. O projeto começou com o lançamento de Nelson Tethers: Puzzle Agent e, até o final do ano, resultou no lançamento de Back to the Future, adaptação da famosa franquia de filmes para um jogo narrativo.

No começo, a adaptação foi um tiro no escuro, pois De Volta para o Futuro trazia mais drama que outras produções da companhia. Mas o game deu tão certo que a desenvolvedora fez seus lucros subirem em 90% no ano de lançamento da produção.

O sucesso também rendeu um jogo de Jurassic Park, lançado em 2011, e uma parceria com a Warner para a produção de um jogo baseado nos quadrinhos “Fábulas” e também um acordo com a AMC para a criação de um game de The Walking Dead. Neste momento, a companhia traçava seu caminho para ser um dos estúdios mais marcantes no mundo dos jogos eletrônicos na última década.

O sucesso de The Walking Dead

The Walking Dead: Episode 1 Launch Trailer

As histórias de maior sucesso da Telltale Games começaram a ser escritas a partir de 2012, quando a empresa começou a lançar The Walking Dead. Aproveitando o sucesso do seriado de TV de zumbis, a companhia desenvolveu junto com a emissora AMC um jogo episódio, cinemático e com foco na história.

O jogador acompanhava o sobrevivente Lee junto com a pequena Clementine em meio ao apocalipse zumbi em uma história original dentro do universo de The Walking Dead. O game dividido em cinco episódios trouxe mecânicas de escolha que permitiam ao jogador chegar ao final seguindo diferentes caminhos.

The Walking Dead trouxe diferentes caminhos
para a história baseado nas escolhas do jogador 

O sucesso da nova investida foi tão grande que The Walking Dead ganhou diversos prêmios em seu ano de lançamento, incluindo jogo do ano na premiação VGX (praticamente o Game Awards daquela época), além de dois BAFTA pela sua história e a atuação de Melissa Hutchison, que interpretou Clementine.

Além de ter sido bem recebido pela crítica, The Walking Dead teve sucesso comercial e garantiu mais três temporadas para o game, bem como o spin-off focado na personagem Michonne.

The Wolf Among Us - Trailer

Logo depois, em 2013, a empresa também emplacou outro sucesso de conteúdo: The Wolf Among Us, fruto da parceria feita com a Warner Bros. Seguindo o mesmo esquema de lançamento em episódios e foco na narrativa, o jogo é praticamente uma história em quadrinhos jogável, dando vida para os quadrinhos “Fábulas” e até servindo como um prequel para as HQs de  Bill Willingham.

O jogador acompanha a história de Bigby Wolf, o famoso Lobo Mau, trabalhando como detetive e tentando manter a paz no Reino das Fábulas.  Os personagens bem aproveitados e a história cheia de escolhas interessantes ganhou uma legião de fãs e levantou novamente o nome da Telltale Games.

Crescimento

O combo The Walking Dead e The Wolf Among Us mostrou todo o potencial do estúdio para contar histórias no videogame, e com isso a companhia conseguiu uma série de outros jogos seguindo a mesma fórmula de seus maiores sucessos.

Tales from the Borderlands-Episode 4-Finger gun fight

Em novembro de 2014 a empresa começou a lançar Tales from the Borderlands, jogo com cinco episódios feito em parceria com a Gearbox Software. Em dezembro do mesmo ano, chegou a vez de Game of Thrones, que conta uma história original dentro do universo da produção televisiva da HBO.

A Telltale também deu uma campanha principal para Minecraft com Minecraft: Story Mode, que aproveitou a popularidade do jogo de bloquinhos da Microsoft e teve duas temporadas (e se tudo der certo, também ganhará uma versão que será lançada na Netflix).

Em 2017, a companhia também entrou para o cobiçado mercado de super-heróis com jogos de Guardiões da Galáxia e Batman, também seguindo os moldes tradicionais da empresa, com escolhas, gráficos cartunizados e diferentes caminhos até o final.

Estagnação

Para quem acompanhava o trabalho da companhia de longe, tudo parecia bem, afinal, não é qualquer estúdio que consegue lançar mais de 10 jogos em cinco anos. Os fãs mais assíduos, porém, puderam acompanhar um problema que cresceu dentro dos games da empresa e, por fim, pode ter sido um dos motivos de seu fechamento: a estagnação.

A Telltale Games utilizou o motor gráfico Lua Engine desde a criação do estúdio até o fim do estúdio, com poucas evoluções de grande porte na aparência de seus jogos. Com o passar do tempo, a narrativa dos games, o que tornou o estúdio famoso, também acabou perdendo a qualidade.

Batman: The Enemy Within - Official Launch Trailer

Com tantos projetos na mesa e metas para serem atingidas, a equipe de mais de 300 desenvolvedores acabava cedendo para os prazos e seguindo a sua tradicional fórmula, o que acabou resultando em problemas após um tempo.

Nos últimos quatro anos, a empresa passou por grandes reestruturações causadas pela má gestão e o baixo retorno vindo dos projetos adotados pela empresa. O conselho diretor da empresa retirou o co-fundador Kevin Bruner da posição de CEO e, Em 2017,  um grupo de 90 funcionários foi mandado embora. Para driblar as dificuldades, a companhia prometeu trazer melhorias tecnológicas em seus games, sempre mantendo o foco na história.

A Telltale iria fazer seus próximos jogos
com gráficos Unity, mas não deu tempo

De lá pra cá, as coisas pareciam estar melhorando, com a Telltale anunciando que faria seus futuros jogos com o motor gráfico Unity, além de revelar a produção de The Wolf Among Us 2 e uma  parceria com a Netflix para lançar um game de Stranger Things.

Agora em setembro, porém, descobrimos que o buraco é bem mais embaixo.

O fim da Telltale Games

Tudo começou com uma série de sites especializados em games publicando no dia 21 de setembro sobre a suposta falência da Telltale, que foi confirmada no mesmo dia pela empresa. A situação estava tão tensa que os comandantes da companhia demitiram mais de 200 funcionários, que lamentaram a “morte” repentina do estúdio.

Segundo Pete Hawley, o CEO da empresa, os jogos da companhia não estavam vendendo bem e, apesar das mudanças feitas desde 2017, a empresa não conseguiu alcançar o sucesso esperado com seus projetos.

“Lançamos alguns dos nossos melhores conteúdos este ano e recebemos uma grande quantidade de feedback positivo. Mas, em última análise, isso não se traduz em vendas”.

Além dos mais de 200 funcionários desempregados, o fim do estúdio também deixou uma série de jogadores órfãos. A empresa está lançando atualmente The Walking Dead: The Final Season, que não deve ter sua história finalizada. Segundo a dubladora de Clementine, game de quatro episódios só terá duas partes lançadas, já que o restante não foi finalizado.

A Telltale até manterá uma equipe de 25 funcionários, mas o enxuto time de desenvolvimento deve trabalhar para lançar Minecraft: Story Mode no serviço de streaming Netflix antes de sua falência completa.

Repercussão

A empresa ainda não esclareceu diversos pontos sobre o futuro de seus games já lançados, mas o anúncio do fim da Telltale comoveu boa parte da indústria de games. A forma de fazer jogos da empresa serviu de inspiração para diversos estúdios, como a Dontnod, criadora de Life is Strange.

Muitos gamers e personalidades famosas também demonstraram seus sentimentos com o fim do estúdio. Alguns outros esperam mais informações e buscam respostas para saber o que vai acontecer com The Walking Dead: The Final Season.

Por meio do Twitter, a empresa confirmou o lançamento do segundo episódio e disse que muitos parceiros estão interessados em ajudar a história da Clementine ser contada até o fim. Agora é uma questão de tempo para sabermos o que vai acontecer.

Entre tretas e comoção, o momento mais bonito nisso tudo é a comunidade tentando ajudar os desenvolvedores que perderam seus empregos. Responsáveis por estúdios como Blizzard, Ubisoft, NetherRealm, além de grandes empresas como PlayStation e Microsoft, ofereceram vagas de emprego para quem foi atingido pela demissão em massa com o movimento #TelltaleJobs, no Twitter.

Diversas empresas de games estão oferecendo
empregos para os ex-desenvolvedores da Telltale

Com isso, podemos esperar que as mentes por trás de games como The Walking Dead e The Wolf Among Us acabem achando um novo estúdio para trabalhar em breve. Vale lembrar, também, que a Telltale Games surgiu após uma crise na LucasArts. Quem sabe o fim da empresa signifique um novo começo para estúdios independentes criados por ex-funcionários da companhia.

Não podemos adivinhar o que vai acontecer no futuro, mas sobre o legado deixado pela Telltale, podemos afirmar: Nós vamos nos lembrar disso.

Por Mateus Mognon

Jornalista formado na UFSC e criador do Jornal dos Jogos, veículo que reúne as principais notícias de games com curadoria e aquele "jeito moleque" de escrever.