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Fortnite: entenda a briga da Epic Games com Apple e Google

O battle royale foi banido da Play Store e App Store, e a desenvolvedora respondeu ambas as lojas com processos. Por que isso aconteceu?

Era para ser apenas mais uma quinta-feira normal, mas a Epic Games resolveu que estava na hora de arranjar uma grande treta com a Apple e Google. O popular battle royale Fortnite, que possui bilhões de jogadores, foi retirado da App Store e Play Store. O motivo? A adoção de um método de pagamento externo, o que viola as regras da loja de apps. 

O cenário parece catastrófico para a desenvolvedora do game, que está proibida de liberar atualizações para o game no iOS e não pode distribuí-lo pela loja da Google, mas o movimento foi planejado pela dona de Fortnite. Após o banimento, a Epic Games iniciou a campanha #FreeFortnite, que pode ter consequências importantes para todo o  mercado de games.

personagens de Fortnite season 2 olhando para o mapa do jogo de battle royale
Fortnite foi banido da App Store e Play Store em poucas horas. Entenda motivos que levaram Epic Games a processar Apple e Google

 Se você está por fora dessa treta, confira aqui tudo que aconteceu no dia 13 de agosto e acarretou na grande briga entre a Apple, Google e a Epic Games.

Contexto da briga

A briga que acabou com Fortnite sendo banido da loja da Apple e da Play Store começou muito antes da campanha #FreeFortnite. Desde o ano passado, quando lançou a Epic Games Store, a desenvolvedora do battle royale está lutando para diminuir as taxas cobradas por lojas que distribuem jogos.

A Epic Games está na luta para diminuir as taxas cobradas por lojas de apps há anos

Plataformas como App Store e Play Store cobram uma tarifa de 30% nas compras feitas dentro de aplicativos distribuídos nas lojas. Com isso, se um jogador no iPhone gasta R$ 100 em V-Bucks, uma parcela de R$ 30 vai para a Apple. Essa taxa faz parte das regras de uso das plataformas de distribuição e servem para manter tudo funcionando, mas também garantem um lucro extra para Apple e Google.

De acordo com dados da CNBC, a receita total da App Store no ano de 2019 foi de US$ 50 bilhões. É tanta grana que apenas a loja, sozinha, tem poder financeiro suficiente para ser uma das empresas mais valiosas do mundo. Dentro desse montante, boa parte dos ganhos vem de compras em games: o setor de jogos mobile movimenta US$ 86 bilhões globalmente por ano, mais dinheiro do que todo o resto da indústria combinada.

Loja da Epic Games no PC oferece taxas amigáveis em relação ao Steam
Divisão de lucros da Epic Games Store, que cobra taxas mais baixas que o Steam no PC

A Epic Games acredita que os 30% cobrados pelas lojas é uma taxa muito alta e que prejudica desenvolvedores. A loja da empresa no PC, por exemplo, bate de frente com o Steam e adota uma tarifa de apenas 12%, para tornar a divisão de lucros mais atraente para quem faz games.

Enquanto a empresa pode tomar atitudes no PC e também no Android — Fortnite era distribuído no site da empresa antes de chegar na Play Store — as coisas são diferentes no iOS. A dona dos iPhones não permite que aplicativos sejam distribuídos fora da App Store e todas as transações devem ser feitas dentro da loja. E foi aí que a grande briga entre Apple e Epic Games pegou fogo.

A armadilha: Epic Games lança V-Bucks com desconto

Em um movimento feito para chamar a atenção de Apple e Google, a Epic anunciou a adição de um novo método de pagamento em Fortnite. A opção, revelada nesta quinta, aparecia abaixo da forma convencional de comprar V-Bucks, mas trazendo um belo diferencial. O jogador ganhava 20% de desconto ao comprar os créditos diretamente com a Epic Games.

Epic Games adiciona meio de pagamento em Fortnite e inicia briga com Apple e Google
Meio de pagamento que iniciou a briga de Fortnite

Em seu blog, a empresa deixou bem claro que o objetivo da novidade era causar. O texto de anúncio da função de pagamento explica que a Epic cuidaria do processamento e não repassaria taxas para os usuários.

“Atualmente, ao usar as opções de pagamento da Apple e do Google, Apple e Google coletam uma taxa de 30%, e a queda de preço de até 20% não se aplica”, explicou a dona de Fortnite. “Se a Apple ou o Google reduzirem suas taxas sobre os pagamentos no futuro, a Epic repassará essa economia para você.”

A Epic Games disse que os V-Bucks seriam mais baratos
se a Apple e Google cobrassem menos taxas

A ideia de comprar V-Bucks mais baratos chamou a atenção do público e não demorou muito tempo para a Apple perceber que algo estava errado. Como o uso de meios de pagamentos externos são proibidos, existiam duas opções disponíveis. A firma podia fazer vista grossa com suas rígidas regras de uso e deixar Fortnite realizar pagamentos fora da loja, o que podia levar a um levante de desenvolvedores. Já a outra alternativa seria banir o game mais popular da atualidade e deixar milhões de jogadores sem atualizações para o jogo.

Seguindo as regras de uso da App Store, a Apple fez o movimento esperado e baniu Fortnite de sua loja. A atitude, porém, desencadeou uma série de eventos programados pela Epic Games.

Resultado: Epic processa Apple

Minutos após a distribuição do jogo ser interrompida na App Store, a Epic Games anunciou nas redes sociais de Fortnite que estava processando a Apple. A empresa estava com uma ação legal engatilhada e agora está brigando na justiça para que a dona dos iPhones ofereça mais liberdade no iOS.

O processo da Epic Games é uma ação antitruste que busca enquadrar a App Store como um monopólio. Diferente do que acontece no Windows ou Android, a única forma de distribuir apps no iOS é por meio da loja da Apple.

O processinho veio em um momento bastante oportuno. A Apple estava tretando com a Microsoft e o Facebook na semana passada por causa das políticas da App Store. As restrições impostas pela empresa, que impediram o lançamento do xCloud no iOS, chamaram a atenção de legisladores e culminaram em uma investigação.

A Epic Games está ciente disso. A empresa não apenas tirou onda da Apple, como também começou um “movimento” para colocar usuários contra as políticas da empresa. Nos primeiros parágrafos da ação legal, a empresa diz que a Maçã era contra monopólios antigamente, mas que mudou sua filosofia.

Evento em Fortnite

Durante os parágrafos iniciais da ação legal, a dona de Fortnite relembra de um comercial lançado nos anos 80 pela fabricante de Cupertino. Na peça publicitária, a Apple fazia alusão ao livro 1984 e colocava a concorrente IBM como um grande monopólio de tecnologia. Segundo a Epic, essa história ficou no passado e agora a Apple se tornou a ideia que tentava combater.

A referência à obra de George Orwell não parou por aí. Pouco tempo depois de anunciar o processo conta a Apple, a Epic Games revelou que exibiria um curta-metragem dentro de Fortnite. Chamado de Nineteen Eighty-Fortnite, o vídeo exibido é uma paródia do icônico comercial da Maçã e traz cutucadas diretas ao modelo de negócios da empresa.

Com estética em preto e branco, o vídeo traz uma Maçã com tom ditatorial falando para uma plateia de personagens de Fortnite, em uma sala pichada com as diretrizes da App Store. O trecho mostrado é a parte que obriga o pagamento de uma taxa de 30% a cada transação. Uma lutadora colorida corre de soldados e arremessa sua picareta de pinhata contra a tela que exibe a fruta, colocando fim ao discurso.

Nineteen Eighty-Fortnite - #FreeFortnite

Em seguida, um letreiro sobe dizendo que a Apple baniu Fortnite e deixou bilhões sem o jogo como retaliação à tentativa da Epic de quebrar o monopólio da App Store. “Lute com a gente para que 2020 não se torne ‘1984’”, diz a companhia milionária, dona do game mais popular da atualidade.

Movimento Free Fortnite

Ao final da apresentação e também em suas redes sociais, a Epic Games começou a utilizar a hashtag #FreeFortnite, que serve para os jogadores demonstrarem apoio à desenvolvedora na briga contra a Apple. A ideia deu certo e o termo alcançou os trending topics do Twitter.

A Epic Games também lançou um site em que deixa claro os motivos para todo esse movimento: virar os fieis usuários da Apple contra a própria marca. A dona de Fortnite menciona que a App Store cobra altas taxas de uso e que o banimento deixará os iPhones sem novos conteúdos para o battle royale.

Imagem do movimento Free Fortnite, iniciado pela Epic Games
Trecho do vídeo divulgado pela Epic Games que faz referência a um antigo comercial da Apple

A desenvolvedora ressaltou que o game continuará disponível em outras plataformas normalmente e todos os dados de quem joga continuam salvos na conta compartilhada Epic. Porém, o banimento impede a companhia de lançar novidades para o app de iOS.

“Como a Apple BLOQUEOU a capacidade de atualização, quando Fortnite Capítulo 2 – Temporada 4 for lançada, você NÃO poderá jogar a nova temporada no iOS”, enfatizou a Epic Games em seus ite. “Faça sua voz ser ouvida com #FreeFortnite”, disse a companhia.

Processo contra a Google

Enquanto as pessoas assimilavam tudo que estava rolando, a Google resolveu acordar para a situação e também baniu Fortnite da Play Store. Assim como a Apple, a loja não permite que ferramentas de pagamento externas sejam adicionadas aos games.

Apesar o timing não ter sido tão bom quanto a ação da Apple, a Epic Games também abriu um processo contra a Google. A briga judicial, porém, conta com outros pontos de crítica.

Fortnite rodando em celular Android feito pela OnePlus
A Epic Games processou a Google pedindo mais liberdade para aplicativos no Android

Enquanto o processo da Apple fala sobre o monopólio na App Store, a Epic Games acusa a Google de práticas anticompetitivas no Android. O sistema operacional é desenvolvido pela gigante da web, mas é distribuído em código aberto.

A desenvolvedora de Fortnite disse que a Google possui práticas para influenciar os usuários a utilizarem apenas a Play Store e evitarem outras lojas de apps. Com isso, a empresa consegue garantir que mais aplicativos sejam lançados pela sua plataforma no Android e sejam obrigados a pagar a taxa de 30%.

A briga entre Google e Epic também já era uma guerra anunciada, mas que ainda não havia entrado nos trâmites jurídicos. A desenvolvedora distribuiu Fortnite no Android por meio de seu site durante 18 meses, mas acabou cedendo e lançou o jogo na Play Store em abril, com o CEO Tim Sweeney fazendo críticas ao modelo de negócio da plataforma.

Mudança para a indústria?

Por causa dessa briga que já é antiga, as duas ações legais registradas pela Epic Games não buscam compensações financeiras. Tim Sweeney, o CEO da Epic Games, disse que a empresa não vai entrar em acordo com Apple e Google e está em busca de mudanças.

“Estamos lutando por plataformas abertas e mudanças nas políticas que tragam benefícios para todos os desenvolvedores”, disse o executivo. “E vai ser uma luta e tanto.”

Caso o executivo cumpra a sua palavra, a tendência é que a briga entre a dona de Fortnite e as lojas se arraste por algum tempo. Como já explicamos lá em cima, o mercado de games é importante e lucrativo para Apple e Google, que possivelmente não vão abrir mão de suas taxas facilmente.

A Epic Games é uma das únicas empresas com poder para peitar Apple e Google atualmente

A mudança seria positiva para desenvolvedores, principalmente independentes, e a Epic Games é uma das únicas empresas na atualidade capaz de peitar gigantes como Apple e Google. Afinal, com uma base de bilhões de jogadores e muito dinheiro envolvido, o banimento de Fortnite também pesa no orçamento das lojas.

Anteriormente, a Epic Games já utilizou esse poderio para impulsionar o crossplay na indústria. Mesmo com a Sony relutando, a companhia conseguiu lançar Fortnite com multijogador compartilhado entre diferentes plataformas.

A briga agora é bem maior, já que existe muita grana em jogo, e isso pode dificultar bastante a vida da dona de Fortnite. Agora é esperar para ver quem tem mais força nessa guerra corporativa.

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Por Mateus Mognon

Jornalista formado na UFSC e criador do Jornal dos Jogos, veículo que reúne as principais notícias de games com curadoria e aquele "jeito moleque" de escrever.